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sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

ENTREVISTA COM ANA CRISTINA PEREIRA LEONARDO




Acompanho as suas crónicas no jornal Expresso desde há longo tempo, bem como a sua presença corrosiva e de grande assertividade, nas redes sociais. Não podia ficar indiferente à sua estreia no género romance com o livro "O Centro do Mundo", da Quetzal, bem guardado na minha estante, como documenta a foto. Li-o de uma assentada, fascinou-me a estrutura, as referências literárias, o humor e a solidez de um projecto literário definitivamente consolidado. Ana Cristina Pereira Leonardo é colaboradora do Expresso, onde assina uma crónica e crítica literária, é também tradutora e revisora e teve a generosidade de conceder uma pequena entrevista ao nosso blogue.

1. Como surgiu a ideia para "O Centro do Mundo"?

A ideia surgiu há já uns anos, quando soube da passagem por Olhão - cidade onde nasci - de Boris Skossireff, russo branco nascido na Lituânia com um percurso de aventuras extraordinário que cobre as duas guerras mundiais - passando pela Revolução de 1917, pelo nazismo e pelos gulags da Sibéria -, tendo chegado a ser Rei de Andorra durante uma semana, até acabar preso e expulso do então Principado pelos espanhóis. 

2. "O Centro do Mundo" é um romance com uma estrutura fragmentada onde sobressai uma aturada pesquisa, muita referência histórica e cultural. Quer falar-nos um pouco sobre estes pontos?

Gostava que ficasse claro que "O Centro do Mundo", apesar de ter como ponto de partida/pretexto uma personagem de carne e osso, não é um romance histórico. Não pretende fidelidades nem retratar qualquer época. Pessoalmente, tanto me interessava o russo como Olhão, a "vila da Restauração" cantada por Zeca Afonso. O contraste/ proximidade entre as duas realidades, o pícaro olhanense e o aventureiro ficcionista de si próprio, era o que estava em causa. Dito isto, não acredito muito em narrativas que partem de uma ideia. A literatura é do domínio da palavra. No caso, a organização das palavras foi o mais difícil. Como estruturar uma ficção que não se quer "organizadinha", nem historicamente cronológica, mas que, com risco de se tornar ilegível, não pode ser apenas caos? A estrutura fragmentada - que imita a vida? - calhava a Boris e calhava a Olhão. A Boris, porque ele próprio foi/é um enigma que não se deixa aprisionar e cujo percurso, sobretudo reactivo, se apresenta sob o signo do acaso e da necessidade. A Olhão, porque, sendo um lugar que rebenta pelas costuras de "anarquistas" (ou "comunistas", para roubar a expressão a Raúl Brandão), lida mal com a ordem e a autoridade (incluindo a do narrador). Assim, a estrutura de "O Centro do Mundo", artificialmente natural (?), foi a que me pareceu mais adequada. A pesquisa não foi assim tanta (Boris, que eu saiba, ainda hoje resta por biografar com rigor), e as referências históricas e culturais, olhando-as à posteriori, tanto serviram como divertissement (meu e, espero, do leitor), como diálogo no interior da própria literatura, algo que me parece indispensável a quem escreve. Talvez o que eu pretendesse dar a ler fosse tanto a comicidade como a tragédia, à imagem de muitos dos meus escritores de eleição. Se consegui ou não, os leitores dirão de sua justiça. 

3. Projectos de escrita para o futuro? Algum outro romance na calha?

Trabalhando eu com palavras, não creio, no entanto, que seja obrigatório dar-lhes a forma de romance. Mas, como já disse algures, a ficção pode ser tão aditiva como o sexo. Quanto mais se pratica, mais vontade temos de praticar. Há qualquer coisa na calha, mas vamos ver se ganha forma. 

Muito obrigada.




segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

CARO NUNO MARKL


Ilustração de Ricardo Campus

Caro Nuno Markl,

A minha tia, da parte da minha mãe, sempre me gabou o jeito para ler e escrever, pois, desde miúdo de fralda, que lia rótulos de garrafões de vinho daqueles de plástico branco, porque o meu pai era míope, bulas de medicamento, porque a minha mãe tomava comprimidos "Saridon" para as enxaquecas e instruções de pensos higiénicos e pílulas, porque a minha irmã mais velha já se encontrava às escondidas com um mancebo no bairro de Campolide, mas tinha dificuldade em ler duas linhas do tamanho de comboio regional... Cheguei a enviar os meus textos para o 5 para a Meia-noite, para a revista GERADOR e para a editora LEYA. A Leya respondeu-me ao fim de 15 dias a dizer que eu escrevia muito bem, mas que não arriscava num desconhecido, que fosse primeiro escrever colunas na imprensa diária, que amadurecesse um romance ou enviasse uma crónica para o Markl. E eu escrevi para a Gerador, mas eles disseram que tinham que reequacionar novas propostas, eufemismo mais-que-perfeito para "vai morrer longe". De caminho, ainda me perguntaram se eu queria ser sócio, ora eu apenas pago cotas na Associação "Sobral de Monte Agraço já tem parque infantil" e não posso ter mais encargos porque estou no chômage, como diz o meu padrinho que Deus tenha lá no céu que foi emigrante em Paris de França. Deixei de teimar em publicar os textos na revista que só vejo à venda naquele contentor manhoso à entrada do LX Factory, pois que já fui às melhores casas da especialidade em Portugal e, inclusive, na FNAC disseram-me que gerador não era uma revista, mas um artefacto mecânico para produzir energia, então em que ficamos? Agora decidi aceitar o conselho da Leya e fazer-te um convite. Li, recentemente na imprensa, que tinhas convidado um realizador de cinema para almoçar, mas que ele recusara. Há quem ande de cócoras atrás da Madonna para uma entrevista, há quem ande em bicos dos pés para ser ministro, mas nós os dois, que estamos em pé de igualdade (ambos usamos óculos) estamos acima dessas coisas, por isso faço-te um convite: Convido-te para almoçar, de caminho falo-te no meu blog, no meu livro que ganhou um prémio literário, mas que ninguém quer publicar e tu falas-me de humor, dos teus programas, recordamos as histórias mais fortes do “Homem que mordeu o cão” e de como é ter que conviver com estes malucos que te convidam para almoçar ou sobre o Padre António Vieira, o buraco do Ozono e a cintura de Van Hallen.. Tiramos uma “selfie” e faço uma reportagem no meu blog. Pago-te um almoço no Honorato, que é a fatia de subsídio de desemprego que posso desembolsar e cada um vai à sua vida feliz e contente. Não sou um stalker, sou um autor, já fui ao programa do Alvim, só me faltas tu e a Filomena Cautela, mas essa anda atrás da Madonna, que não lhe liga pevas, e nós podemos fazer um slogan: “Mais depressa o Bento entrevista o Markl, que a Madonna vai ao 5 da meia noite!” Ganhei os jogos florais de uma autarquia com uma Ode ao Mira, que é o meu tio com nome de rio, mas também existe o Laborinho Lúcio que tem nome de peixe e eu não sabia que os peixes escreviam livros, tenho um blog sobre literatura, pitta-shoarma e batatas fritas, sou iconoclasta, manco um bocadinho da perna esquerda, tenho a tensão alta controlada e vivo do subsídio que está a acabar.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

ENTREVISTA COM PAULO MOREIRAS

E enquanto as nossas palavrinhas não se decidem a regressar fiquemos com as do escritor Paulo Moreiras numa entrevista concedida há algum tempo e que julgava perdida. Uma entrevista onde poderemos ficar a conhecer melhor um homem culto, afável e que, generosamente, acedeu ao nosso pedido. Após uma breve biografia oficial, aqui ficam algumas linhas trocadas sobre a sua obra e a sua visão da escrita num tom sereno e grande riqueza vocabular.


Nasceu em Agosto de 1969, em Lourenço Marques, Moçambique. Arribou a Portugal em 1974. Viveu no Douro, passou por Almada e vive agora em Meirinhas, perto de Pombal. Em 1996 publicou como argumentista “Hermínio, Regresso a Portucale”, em parceria com o desenhador Victor Borges. Em 1999 foi-lhe atribuída uma Bolsa de Criação Literária na modalidade de Narrativa. Entre Agosto de 2000 e Agosto de 2001 foi o coordenador do destacável cultural “Viver”, do semanário Jornal de Leiria, tendo colaborado também nos semanários O Correio de Pombal, Tribuna do Oeste, Região de Cister e no mensário Jornal das Cortes, neste último com prosa e poesia. Publicou o romance A Demanda de Dom Fuas Bragatela e, mais recentemente, Os dias de Saturno.

Caro Luís Bento,

Obrigado também pelo convite de figurar na sua galeria de entrevistados.

Aqui ficam as minhas respostas, desejando que correspondam às suas expectativas.

Um abraço,

Paulo Moreiras
 
1 - Se passarmos em revista alguns dos seus títulos: “Elogio da Ginja, o B.I. do tremoço ou o B.I. da Morcela ", escorregamos suavemente para a temática da gastronomia. De que forma, e como descobriu ter a gastronomia lastro para desenvolvimentos literários?


Por pura curiosidade, facto aliás que já carrego comigo desde a infância. Tive o privilégio de ter vivido numa pequena aldeia nas margens do Douro, quando vim de Moçambique, e de ter andado à descoberta dos inúmeros frutos que existiam nas terras da minha avó e dos meus tios. Parecia um Tom Sawyer, descalço, a correr pelos campos, a subir às árvores e a comer toda a espécie de frutos enquanto via os comboios ou os barcos a passarem. Junte-se a tudo isto a enorme riqueza gastronómica que degustei então, a broa acabada de sair do forno regada com azeite, as vindimas e as "buchas" comidas de permeio durante a jorna. Uma maravilha. Essas memórias levaram-me sempre a saber mais sobre os alimentos, as práticas culinárias e as tradições associadas. Infelizmente em Portugal não existe muita investigação sobre estes temas, comparativamente com outros países. Aos poucos fui satisfazendo as minhas curiosidades com estes pequenos trabalhos. Mas ainda há muito para fazer, tanto mais que a Gastronomia Portuguesa faz parte do nosso património cultural desde 2000 e há um conjunto de práticas que não podem, nem devem, cair no esquecimento.
 
2 – Em “ A Demanda de D. Fuas Bragatela” o herói (ou anti-herói) “arrasta-nos, ora por estradas reais, ora por semideiros escusos, em demanda de um dos mais importantes tesouros da Cristandade.” Tendo em conta este seu romance e olhando para a nossa história, poderemos concluir ser esta a génese da alma lusa? Andar em Demanda de qualquer coisa?


Esse é o nosso fado e o nosso destino. As demandas que todos carregamos servem para nos levar mais longe, arriscando, inovando, preenchendo-nos. Assim se constrói a nossa vida e o nosso património, as nossas memórias. O problema surge quando não sabemos bem definir as demandas que nos movem; por vezes vamos em busca de algo e dificilmente percebemos que o caminho é mais interessante do que o fim em si próprio. É como a vida ou como o amor.


3 – “Os Dias de Saturno”, situa-se no século XVIII num período de grandes transformações sociais e de significativos avanços científicos e intelectuais. E estes nossos novos tempos? Serão terreno fértil para inventar ou reinventar a escrita?

 
Felizmente a Literatura é um fértil alfobre onde ainda há espaço para invenções e reinvenções. A nossa língua permite tudo isso, seja pela incorporação de novos hábitos sociais, seja pela apreensão de novos vocábulos. O mundo está em constante mudança, assim como a nossa Língua. Tudo isto permite novas abordagens, por vezes bem sucedidas, outras nem tanto. O facto de estarmos a viver algumas transformações referentes ao modo como lemos - o caso do ebooks - irá fazer com que a escrita também sofra modificações, pois os canais também eles estão a mudar a forma como encaramos o livro enquanto objecto. São questões interessantes a que devemos ficar atentos.

4 – Como encara o processo criativo? Tendo em conta que se debruça sobre o romance histórico, com o cuidado a ter nos ambientes, no vestuário, no cuidado da linguagem e na pesquisa aturada, encara-o como um processo extenuante, absorvente e com uma forte componente de risco ou, pelo contrário, um processo natural onde o imaginário lhe flui com simplicidade?
 
É difícil falar sobre o meu processo criativo pois eu próprio nem sei às vezes como as coisas acontecem. Não é uma questão de inspiração, mas sim de muito trabalho. É um conjunto de complicações que se encadeiam desde a ideia original até à sua conclusão. Como referi, tenho muita curiosidade sobre determinados temas e isso leva-me a fazer pesquisas aturadas, mas gosto desse processo. Não direi que é extenuante porque me dá muito prazer. Gosto de aprender, de saber. Depois, durante esse processo, deixo o meu espírito criativo divagar e fico aberto a novas ideias que surgem, muitas vezes, quando encontro uma palavra, uma simples palavra usada nesses tempos de antanho. Fico fascinado pelas palavras, pelos seus significados e pelas imagens que elas proporcionam quando lidas. Umas conferem um ritmo e uma malícia interessante ao texto e isso agrada-me bastante. Existe um grande componente de risco, por isso demoro muito tempo a escrever. Tenho de sentir essas palavras, ter um conhecimento profundo sobre a época que vou trabalhar. A maior parte das vezes não uso a totalidade das minhas informações, não são precisas para o romance, mas tenho de as sentir na minha cabeça. Tenho escolhido criar romances históricos porque me possibilitam um certo imaginário, como se a distância temporal permitisse certas veleidades criativas e romanescas. Além disso, os meus romances, apesar de históricos, são sempre sobre os invisíveis da História, aqueles que não figuram nos livros. Depois de ter feito a investigação, deixo tudo a marinar na minha cabeça e a trama vai urdindo-se, paulatinamente e então começo a escrever. Por vezes tudo muda, as ideias alteram-se e o romance segue outro caminho, surpreendendo-me, na maior parte das vezes, para melhor. No fim de cada livro fico vazio, como uma garrafa e depois lá começo a encher a vasilha que se segue.

5 – “Os Dias de Saturno” a fazer jus à crítica comummente aceite, é “um romance fascinante sobre o amor e a sua impossibilidade, com doses iguais de humor e dramatismo”. É o amor assim tão impossível? Não deveria ser, à semelhança da escrita, uma reinvenção diária? Não deveria ser essa a nossa… Demanda?

Sou um homem apaixonado e sempre acreditei no amor. Pode parecer impossível à partida, mas o caminho a percorrer é frutuoso. Para isso, para ele se concretizar, o amor deve ser uma reinvenção diária pois não é fácil construí-lo e mantê-lo. Curiosamente, quando escrevi "A Demanda de D. Fuas Bragatela", a demanda do meu personagem, no princípio, era uma questão material, mas depois, durante o processo de escrita, ele seguiu por outro caminho, como na letra Pitagórica (Y), acabando por descobrir o amor. No final, essa era a sua demanda e a de todos nós. No romance em que estou a trabalhar a questão da impossibilidade do amor também se coloca, mas não foi uma situação pensada. Acabou por surgir no decorrer do processo. Ou seja, ando sempre a escrever à volta do mesmo...

domingo, 19 de maio de 2013

ENTREVISTA COM JOSÉ LEON MACHADO



Recuperando uma  entrevista ao professor e autor José Leon Machado, concedida ao nosso espaço em 2010, que julgava perdida por problemas  técnicos e que mantém uma actualidade preocupante.


O convidado desta semana, que gentilmente acedeu ao nosso pedido é o professor José Leon Machado. Nascido em Braga a vinte e cinco de Novembro de mil novecentos e sessenta e cinco é, actualmente, Professor Auxiliar do Departamento de Letras da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, onde se doutorou em Linguística Portuguesa. Tem colaborado em vários jornais e revistas com crónicas, contos e artigos de crítica literária. A par do seu trabalho de investigação e ensino, tem-se dedicado à escrita literária, especialmente à ficção, onde a influência de autores clássicos greco-latinos e autores anglo-saxónicos, se reflecte na sua escrita simples e concisa. Ganhou vários prémios literários, de que se destacam o Prémio Edmundo Bettencourt 2001 da Câmara Municipal do Funchal com a obra Os Incompatíveis (contos, Campo das Letras, 2002) e o Grande Prémio de Literatura ITF 2002 (actual DST) com a obra Fluviais (contos, Campo das Letras, 2001). Descobri-o recentemente por causa do seu último romance O Cavaleiro da Torre Inclinada, com o subtítulo de "Cenas da Vida Académica", onde, num registo simples, numa estrutura narrativa equilibrada, plena de ironia e com algumas pinceladas de sensualidade, nos revela um ambiente e uma praxis de tradição medieval e inquisitorial que ainda hoje subsiste no mundo académico.
Passemos então à pequena entrevista que o professor José Leon Machado amavelmente concedeu ao nosso espaço:

– Como surgiu o professor Leon Machado no mundo literário?


JLM – Antes do professor, já existia o escritor. Eu comecei a escrever um diário aos doze anos e foi nessa altura que surgiu a minha vocação para esta maroteira que é inventar histórias sobre a miséria alheia.


- O Cavaleiro da Torre Inclinada retrata uma certa forma de investigação e arguição académica "inquisitorial". Apesar de Bolonha, ainda se mantém essa perspectiva?


JLM – As coisas, a nível académico, não mudaram muito. O que mudou é superficial: os cursos de quatro ou cinco anos passaram para três e o financiamento do Estado ao Ensino Superior viu-se reduzido, levando à asfixia financeira das universidades, que não têm dinheiro para comprar livros e para pagar a luz eléctrica. De resto, tudo se mantém, infelizmente.
– A personagem principal enfrenta o enfado e a indiferença da mulher pela investigação e aposta no conhecimento do marido. De certa forma, é o retrato da nossa sociedade?
JLM – Sim, é. As pessoas são cada vez mais superficiais. Um lavrador ou um sapateiro analfabetos de há cinquenta anos atrás eram mais cultos do que o cidadão médio actual. Pelo menos sabiam tudo o que era necessário saber para exercer com mestria a sua profissão: tratar a terra e consertar sapatos. Além de terem uma opinião avalizada da vida e do mundo. Hoje em dia o conhecimento (e falo do conhecimento científico e erudito) é considerada, de um modo geral, uma coisa aborrecida, própria de cientistas malucos e de ratos de biblioteca. As pessoas, todavia, esquecem-se de que, sem o conhecimento e a investigação, não há evolução tecnológica.
– A dado passo, Marco Túlio, a personagem principal, cede à tentação de coleccionar certificados de presença a eito. Não estará o autor a "desconstruir" a essência da investigação académica?

JLM – Uma coisa é a investigação e outra a subida na carreira académica. Para se subir na carreira, é necessário fazer investigação. Mas esta é trabalhosa. Por isso, não falta quem opte por apresentar nos congressos uns textozinhos com uma dúzia de citações colhidas aqui e ali sobre determinado tema e ir fazendo o seu percurso académico dessa maneira. E quem faz isto está realmente a coleccionar certificados.

– No final do romance, dá-se uma ruptura na vida da personagem. Foi o final de um ciclo rotineiro em termos de vida académica? Ou o assentar (finalmente) da sua vida amorosa? Acidente de percurso motivado pelo resultado das provas de agregação?

JLM – Não propriamente. Na vida académica não há ciclos. Há um continuum até à cátedra. Como subir uma escada. O Ferreira merecia um castigo. E a esposa também. Numa boa história, os maus no final são castigados. Haja moralidade! Teremos de esperar para saber o que acontece na segunda parte que estou de momento a escrever.




terça-feira, 26 de junho de 2012

ENTREVISTA COM CARLOS PINTO COELHO


Carlos Nuno de Abreu Pinto Coelho, jornalista, escritor, fotógrafo e brilhante comunicador e homem de cultura,  dispensa apresentações. Nasceu em Lisboa em 1944, frequentou a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa até ao 5º ano e ingressou no Jornalismo como repórter do jornal Diário de Notícias em Janeiro de 1968. Foi um dos fundadores do diário Jornal novo  dirigido por Artur Portela Filho. Até 1977 foi redactor da Agência de Notícias A.N.I., correspondente em Portugal da Rádio Deutsche Welle e redactor da revista Vida Mundial dirigida por Natália Correia. Na Radiotelevisão Portuguesa  foi director-adjunto de Informação (1977), chefe de redacção do telejornal - Informação/2 do Canal 2 (1978), director de Programas (1986/1989) e director de Cooperação e Relações Internacionais (1989/1991). Repartiu o seu talento pela rádio, pela televisão e pelo ensino onde foi conferencista no Instituto de Altos Estudos Militares, professor de jornalismo na E.T.I.C.e no Instituto Politécnico de Tomar. Ao longo de uma vida dedicada ao jornalismo, à cultura e à comunicação desempenhou muitos outros cargos e recebeu diversos prémios e distinções salientando-se o grau de Comendador  da Ordem do Infante D.Henrique atribuído em 2000. Dono de uma simpatia e afabilidade extremas, de mãos dadas com uma vasta cultura, teve a generosidade de aceitar o nosso desafio e deixar-nos aqui um belo momento de cultura e comunicação.

Entrevista de Luís Bento

A Carlos Pinto Coelho

31 Outubro 2010


1-Jean Dubuffet na sua “Cultura asfixiante” defendia que “(…) Um pouco de informação, o encontro fortuito de uma produção artística, alimentam sem dúvida o espírito de criação. Mas uma excessiva informação, um demasiado arreigamento pelas produções de arte, podem esterilizá-lo”. De certo modo, é o que está a acontecer hoje? O excesso de informação, o facilitismo da internet e de outros meios audiovisuais veio esterilizar o espírito criativo?


A resposta é, obviamente, não. Obviamente porque os factos estão aí, abundantes, a demonstrar que nunca o espírito criativo se manifestou com tamanha profusão e exuberância como nos nossos dias. A imensa parafernália de instrumentos da modernidade não é mais do que uma oferta de materiais ao serviço da criação, não é a criação ela mesma. Seria o mesmo que perguntar a um excelente chefe de cozinha se uma grande variedade de alimentos e uma boa quantidade de máquinas disponíveis para os confeccionar lhe roubam criatividade para inventar receitas novas. Claro que não acontece nada disso.

O ruído provocado pelo exagero de informação trepidante que caracteriza o nosso tempo é um sobressalto comparável ao bulício que o Iluminismo provocou na sociedade dogmática em que nasceu. Com mais liberdade de ideias e de comunicação, o espírito dos homens desdobra-se em sucessivos e inesperados patamares de inovação. E o espírito criativo dos homens do Iluminismo não se “esterilizou” por isso, como sabemos.


2-“A cultura revela tendência para ocupar o lugar até há muito pouco tempo ocupado pela religião. Tal como esta, possui agora, os seus profetas, os seus santos, (…) O conquistador apresenta-se ao povo não com as roupagens do bispo, mas do Prémio Nobel”. (Jean Dubuffet) Concorda com esta afirmação?


Todas as evidências estão aí para provar que o confronto entre o conhecimento e a religião é coisa do passado e que ambos podem coexistir em boa paz. Salvo em questões de comportamentos - onde subsistem ainda fronteiras muito difíceis de ultrapassar para os crentes militantes - já não há disputas de prioridades. Tanto a religião como o conhecimento aprenderam a instalar-se nos lugares que a tolerância lhes impôs e, se alguma vez esse equilíbrio se rompe, a sociedade civil insurge-se contra o prevaricador. Não vejo, portanto, que os heróis de um lado ou do outro tenham de se transverter para melhor sobreviver.


3-O programa “Acontece”, na televisão foi um hino à palavra e à cultura. O seu término e com a justificação pública de” ser muito caro”, que comentário lhe merece? Será o poder político, de tal forma obtuso ou receoso da cultura? Ou o povo insensível à sua importância? Quem é que anda a desafinar?


Não quero voltar a uma questão velha de anos, sobre que já me pronunciei exaustivamente. Nada aconteceu de novo que me mereça repetir que o orçamento do programa era modestíssimo e que a afirmação do ministro Morais Sarmento foi uma leviandade. O homem ficou carimbado por isso, na memória dos milhares de portugueses que perderam o “Acontece”. Continua viva, na Internet ( http://www.petitiononline.com/mod_perl/signed.cgi?acontece ) a petição de protesto assinada por mais de 16 mil pessoas e aonde ainda hoje alguns vão deixar umas palavras, em romagem de saudade...


4-Em relação aos livros e face às novas tecnologias e novos registos audiovisuais qual será, em seu entender, o futuro da literatura e, em última análise, da cultura em geral?


A Literatura existiu antes do Livro e seguramente existirá depois dele. Os conteúdos do espírito sempre fizeram caminho aproveitando-se dos novos suportes mas nunca morreram quando eles se tornaram obsoletos. A “Aparição” de Vergílio Ferreira há-de sempre ser luminosa, seja em que suporte “aparecer”. O mesmo para a Arte na imagem ou na música, cuja vitalidade só dependerá dos criadores, não dos materiais em que for produzida. A modernidade é coisa tão antiga e tão constante como o próprio género humano, não há que temê-la ou tentar refreá-la. O futuro começou ontem e já hoje o estamos a viver, não é verdade?


5-Para terminar, uma questão mais leve…Tendo em conta o seu percurso profissional , o que falta ainda “acontecer “ na sua vida?


Definitivamente, o livro que estou a escrever.


Muito cordialmente

Carlos Pinto Coelho
Luis BentoSexta-feira, 5 de Novembro de 2010