terça-feira, 17 de julho de 2012

A FOME



Acordo num salto impulsionado por mola invisível. O despertador há muito que estrebuchara em alarmes perdidos na twilight zone. Sete e um quarto!!! A dor de cabeça aumentou proporcionalmente à consciência do atraso. Nem tempo tinha para pequeno almoço.O banho ! Rápido.! Um duche forreta com água morna, uma passagem de máquina ao de leve pela pele,  metade dos pelos teimosamente semeados na face. Não há tempo a perder...tou atrasadíssimo!!!... Detesto isto! e esta dor de cabeça... e de estômago... que seca! Os patamares descem-me sob os pés ao ritmo de records olímpicos, deito rua abaixo até à esquina onde está estacionado o meu amado Golf de 1989. Mochila arremessada , cinto,  sapatada no acelerador... sapatada no acelerador...chave...Não! hoje não! não me vais dar nega...que nervos!...vá lá!!...vá lá... pegou!!... Rápido!... autoestrada e ainda chego a tempo... o pior é esta dor de estômago... porra! Nem café, nem pequeno almoço, todo desalinhado... o Golf rola em aceleração máxima para os seus cavalos cansados da fadiga acumulada ao longo de 19 anos...Filipe Massa faz uma prova impressionante, destreza máxima na descida do Monsanto... e esta dor de cabeça potenciada pela fome... que dor de estômago... Amoreiras... lá tá... a tal ruazinha com parquímetros avariados... A sorte brilha na forma dum lugar vago... mesmo à maneira... 8h15... vamos...corre... corre Carlos Lopes... do Rato à Castilho, frente ao Heron, é um tirinho... atravesso o largo em corrida desenfreada. Chego à esquina da Herculano... cinco minutos... se não chego em cinco minutos os telefones já devem estar todos a tocar... detenho-me diante do velho que, à falta de rendimento mínimo garantido, arredonda a pensão de sobrevivência distribuindo o Destak... e é então que reparo na velha... olhar vago, aflito, desesperado, tom lamentoso, roupas puídas e as mãos retorcendo-se em movimentos infinitos:
- Hoje não estão a dar nada?
- Não... - respondeu o velho - hoje nem os da Danone, nem os da Matinal...nada!
Olhei para o relógio...já está...vou chegar atrasado...A curiosidade matou o gato e eu, que de felino e belo apenas guardo as seis vidas que me restam, perguntei:
- Estão a dar o quê?
- Ah...Normalmente estão aí as carrinhas a fazer publicidade e dão iogurtes, leite, sumos...mas hoje não vieram...a velha vem cá todos os dias para comer qualquer coisa...
Olhei para ela. O seu olhar, vago, perdido, olhando em redor na esperança de que ainda aparecessem...
O Velho deu-me o Destak. Levei as mãos ao estômago... 
- Foda-se! Perdi a fome...

1 comentário:

  1. Adorei Luís! Consegui acompanhar a corrida do atrasadinho! Fizeste-me recordar uma situação que vivi ... muito parecida!
    Na realidade a intensidade dos problemas é relativa ...
    Obrigada por este momento de prazer!

    Maria Olímpia Paiva

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